O destino dos módulos solares: estamos realmente sendo sustentáveis?
A energia solar foi — e continua sendo — uma das maiores conquistas da transição energética. Mas há uma questão urgente e pouco debatida:
Para onde vão os módulos fotovoltaicos quando chegam ao fim da vida útil ou são avariados em campo?
O relatório "World Energy Transitions Outlook 2022" publicado pela IRENA projeta que os módulos fotovoltaicos em final de vida útil alcançarão 4 milhões de toneladas em 2030, quase 50 milhões de toneladas em 2040, e mais de 200 milhões de toneladas em 2050.

Ignorar essa pergunta é correr o risco de transformar um ativo climático em um passivo ambiental e legal.
Há regulação — e ela vale para os módulos
Mesmo sem uma norma “específica para painéis” no Brasil, os módulos fotovoltaicos estão dentro do escopo da legislação de resíduos:
· Política Nacional de Resíduos Sólidos - PNRS (Lei nº 12.305/2010)
· Resoluções do CONAMA
Essas normas já exigem responsabilidade compartilhada entre fabricantes, distribuidores e geradores, logística reversa e destinação ambientalmente adequada. Não existe brecha para “simplesmente descartar” por conveniência.
O descumprimento dessas diretrizes pode gerar multas que chegam a R$ 50 milhões, além de sanções administrativas, civis e até criminais previstas na Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998). No caso dos módulos fotovoltaicos em fim de vida útil, que contêm vidro, alumínio e metais potencialmente tóxicos, a PNRS impõe a necessidade de sistemas de logística reversa e soluções de reciclagem, evitando o descarte em aterros e garantindo conformidade legal, segurança ambiental e reputacional para o setor solar.
Na Europa, Japão, Coreia e China já existem regulações específicas para módulos fotovoltaicos. A União Europeia, por exemplo, através da Diretiva 2012/19/EU, enquadra os painéis como WEEE (resíduos eletroeletrônicos), estabelecendo metas de coleta, recuperação e reciclagem com responsabilidade estendida do produtor (EPR).

Resíduos de módulos fotovoltaicos coletados na Europa.
A prática preocupante: descaracterização ≠ reciclagem.
Na prática, muitas empresas que “recebem” painéis limitam-se à descaracterização — retiram o que é fácil e declaram que destinaram o resíduo.
Mas a pergunta que precisa ser feita é: Para onde vai o que sobrou do painel?
Se for para aterro comum, isso é ilegal em muitos casos, porque estudos comprovam que módulos fotovoltaicos contêm metais pesados que se mal descartados podem lixiviar e contaminar solo e água. O único destino permitido seria um aterro industrial de perigosos, que custa muito mais caro do que um aterro comum e em alguns casos mais caros do que a reciclagem.
Uma empresa que coleta sem ter tecnologia de reciclagem está fazendo o quê com esse resíduo? Você, como gerador, está disposto a arcar com as consequências legais de um crime ambiental?

Reciclagem é a solução — mas não é simples nem barata
Um módulo fotovoltaico ao final da sua vida útil pode não ter mais utilidade como gerador de energia, mas os materiais que o compõem — como alumínio, prata, silício, cobre e vidro — possuem valor significativo. Esse potencial, no entanto, só se concretiza quando tais materiais são devidamente separados e recuperados. É nesse momento que o valor real aparece, não apenas em termos econômicos, mas também sob a ótica ambiental e social, transformando o que seria um passivo em um ativo.
O benefício vai além da economia: cada tonelada de materiais recuperados significa menos extração mineral, menos pressão sobre ecossistemas e, sobretudo, emissões evitadas. De acordo com a lógica do GHG Protocol, reciclar
não apenas reduz emissões diretas, como também evita emissões futuras associadas à produção de matérias-primas virgens.
Em outras palavras: reciclar um painel é duplamente positivo — gera valor econômico e reduz a pegada de carbono do setor solar, reforçando sua credibilidade como solução verdadeiramente sustentável.
Mas é preciso ser claro: reciclar não é simples nem barato.
· Exige tecnologia de ponta (delaminação, separação de vidro, alumínio, silício e metais).
· Requer CAPEX alto para instalar plantas industriais.
· A operação tem OPEX elevado.
Na Europa e EUA, empresas pagam entre US$ 10 e US$ 15 por painel para reciclar. No Brasil, esse custo é R$0 para o gerador — porque empresas como a Solar55, assumem o custo e buscam receita apenas na venda dos materiais reciclados.
Aliado a demanda ainda baixa, isso significa margens baixas, risco econômico e payback longo. Mas também significa que a reciclagem no Brasil é a única solução capaz de alinhar o discurso da transição energética com a prática da economia circular.
O que o mundo já faz
· União Europeia: módulos enquadrados como WEEE, responsabilidade do produtor.
· Japão: legislação de resíduos e diretrizes específicas para PV.
· Coreia do Sul: metas de recuperação e centros de reciclagem regionais.
· China: programas nacionais em andamento para estruturar o setor.
Enquanto isso, no Brasil… silêncio. Até quando IBAMA, Ministério do Meio Ambiente e secretarias estaduais vão fechar os olhos para um fluxo de resíduos que cresce exponencialmente?
ESG sem rastreabilidade é marketing:
Empresas do setor solar assumem compromissos ESG, mas muitas destinam painéis sem rastreabilidade, sem auditoria e sem garantia de reciclagem real.
Isso não é ESG. Isso é greenwashing.
Responsabilidade exige:
· Rastreabilidade total da jornada do resíduo.
· Auditoria real dos parceiros.
· Garantia de conformidade legal.
Conclusão
1. Empresas do setor: parem de aceitar soluções sem comprovação. Exijam rastreabilidade e auditoria.
2. Operadores de coleta: mostrem sua cadeia de valor de forma transparente. Qual é a tecnologia? Qual o destino final?
3. Poder público: IBAMA, MMA e secretarias estaduais precisam agir. Fiscalizar. Regular. Exigir responsabilidade estendida.
4. Investidores ESG: cobrem due diligence sobre destinação de resíduos nos seus critérios.
E você, que leu até aqui, precisa responder a uma pergunta direta: A sua empresa sabe exatamente para onde estão indo os módulos que destina? Você está disposto a arcar com as consequências de um passivo ambiental — ou até de um crime?
A resposta precisa vir acompanhada de ação. A transição energética só será legítima se também for circular.
Publicado por: Everton Gois - Diretor Executivo na Solar55 - Reciclagem Fotovoltaica

